O cruzamento de dados da Operação Sem Desconto revela que governos de Jair Bolsonaro (PL) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tiveram atuações complementares no esquema de descontos milionários feitos por entidades conveniadas com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
Segundo levantamento do portal Metrópoles, entidades criadas e conveniadas ainda na gestão Bolsonaro intensificaram a arrecadação já durante o governo Lula. Entre 2019 e 2022, os descontos somaram R$ 2,3 bilhões. Já entre 2023 e 2025, o total chegou a R$ 3,8 bilhões — um salto após a troca de governo.
As investigações apontam que o crescimento explosivo dos descontos coincidiu com o período em que José Carlos Oliveira assumiu cargos de destaque no órgão. Nomeado por Bolsonaro, Oliveira foi diretor de Benefícios, presidente do INSS e ministro da Previdência. Em 2021, ele assinou convênios com entidades como a Ambec (R$ 500 milhões arrecadados), a AAPB (R$ 191 milhões) e a ABRAPPS (R$ 2 milhões).
A Ambec, de acordo com a Controladoria-Geral da União (CGU), saltou de R$ 135 mil em arrecadação em 2021 para R$ 91 milhões em 2023. A entidade é suspeita de ter transferido R$ 11,9 milhões ao lobista Antonio Carlos Camilo Antunes, conhecido como “Careca do INSS”.
Apesar de suas atribuições, a CGU constatou que a Ambec não possui estrutura física para atendimento presencial de seus milhares de associados. Situação semelhante foi identificada na AAPB, que atua exclusivamente em Fortaleza (CE), mas tem mais de 173 mil associados espalhados por 4.249 municípios do país.
Outros diretores também são alvos
Sebastião Faustino de Paula, que assumiu após Oliveira, firmou convênios com entidades que arrecadaram ao menos R$ 757 milhões, entre elas a Unaspub (R$ 267 milhões), a Universo (R$ 225 milhões) e a CAAP (R$ 251 milhões).
A Unaspub também é suspeita de ter feito repasses ao “careca do INSS”. Já a Universo, segundo a CGU, tinha apenas dois funcionários fixos no momento da fiscalização, o que foi considerado incompatível com os 250 mil associados registrados em todo o país.
Edson Yamada, que substituiu Sebastião, assinou acordos com seis entidades que arrecadaram juntas R$ 693 milhões. Ele é ligado a José Carlos Oliveira e aparece em investigações da Polícia Federal (PF) sobre movimentações financeiras suspeitas com Cícero Marcelino, apontado como operador da entidade Conafer.
Entre as entidades liberadas por Yamada, a CBPA chamou a atenção da CGU por operar em uma sala comercial sem estrutura para atender seus milhares de filiados.
Gestão Lula manteve estrutura, mas descontos foram contidos após denúncias
Já sob o governo Lula, o então diretor de Benefícios André Fidelis autorizou convênios com entidades que arrecadaram R$ 142 milhões — valor menor porque muitos desses acordos não chegaram a ser executados após a divulgação do esquema pela imprensa.
A Aapen (R$ 69 milhões) e a ASBAPI (R$ 33 milhões) estão entre as entidades conveniadas por Fidelis. Ele é suspeito de ter recebido R$ 5,1 milhões de propina via uma empresa em nome do filho, segundo relatório da PF. A CGU apontou que algumas dessas associações não tinham filiais ou estrutura compatível com o número de beneficiários.
Apesar disso, a Advocacia-Geral da União (AGU) entrou com ação contra parte das entidades e empresas envolvidas, mas deixou Fidelis de fora. A CGU solicitou que ele fosse incluído.
Entidades e envolvidos negam irregularidades
A AP Brasil, CBPA, AAPB e Unaspub divulgaram notas negando irregularidades e afirmando que cumprem todos os requisitos legais. A maioria dos ex-diretores não respondeu. Sebastião de Paula disse estar à disposição da Justiça.
As investigações seguem em curso, e a CGU reforça que muitas das entidades não têm capacidade operacional para justificar a arrecadação bilionária registrada desde 2019. O esquema pode ter atingido centenas de milhares de aposentados e pensionistas em todo o país.